Zurique – Se a reforma da Previdência no Brasil
está enrolada há meses, há países que tentam renovar seu sistema há anos, sem
sucesso. No caso da Suíça, há exatos 20 anos.
Além da ideia de um país de região montanhosa com
alta renda per capita e qualidade de vida, existe um lado da Suíça geralmente
pouco conhecido: um sistema previdenciário pressionado pelo envelhecimento da
população e que precisa de ajustes diante do crescimento econômico abaixo do
esperado e de juros reduzidos.
Caberia aos suíços, por meio de mais um referendo,
no fim setembro, aceitar mudanças nas regras de aposentadoria propostas pelo
governo – e acatadas pelo Parlamento – que visavam a sustentabilidade do
modelo. Os esforços do ministro do Interior, Alain Berset, responsável por
costurar um acordo em favor do projeto, não foram, porém, bem sucedidos e
Berna, capital suíça, amargou mais uma derrota.
A última vez que a população deu aval a uma reforma
nesse sentido foi em 1995. Desde então, foram derrubados pelo menos quatro
grandes pacotes e oito propostas pontuais de revisão da Previdência. “Somente
essa reforma pode evitar um déficit bilionário no sistema”, repetia o ministro
durante a campanha neste ano, que enfatizava as chances de ser gerado um rombo
anual de 8 bilhões de francos suíços (R$ 26 bilhões) a partir de 2030.
No Brasil, a necessidade de fazer ajustes no
sistema previdenciário é assunto corriqueiro – figura em todos os governos mais
recentes. Com baixa popularidade, o presidente Michel Temer, após perder parte
do apoio que tinha no Congresso Nacional, também admite a dificuldade de
aprovar medidas impopulares, como mexer nas aposentadorias.
Suíça e Brasil registram seguidos recuos na
avaliação da qualidade dos sistemas previdenciários feita pelo Global Pension
Index. Divulgado no fim de outubro pela consultoria Mercer, o levantamento
deste ano foi realizado com 30 países. Ao considerar as notas desde 2010, a
Suíça, apesar de ocupar atualmente a 8ª colocação, teve uma queda maior que o
Brasil, que alcançou apenas a 20ª posição no ranking internacional, liderado
pela Dinamarca e Holanda.
Países europeus, apesar de protestos históricos,
aprovaram reformas previdenciárias nos últimos anos, principalmente diante dos
efeitos da crise econômica. Grécia e Portugal, por exemplo, tomaram ações
drásticas. Na Alemanha a principal mudança ainda é a de 2007, quando se decidiu
por uma alta gradual da idade mínima para aposentadorias.
A Espanha aprovou uma reforma em 2013 e já discute
um novo pacote diante do alto risco de insustentabilidade do modelo. Na França,
o presidente Emmanuel Macron também quer novas regras apesar das modificações
aprovadas desde 2010. Até a Holanda, cujo sistema é bem avaliado, começou a
articular um pacote para 2018.
“Amenizar” a reforma não funcionou
No referendo de setembro, o governo suíço usou uma
estratégia que vem sendo estudada pela equipe de Temer: “enxugar” a proposta da
reforma como uma tentativa de conseguir o apoio necessário. A rejeição nas
urnas – de 52,7% – foi até menor que em anos anteriores, quando chegou a 71%.
Mesmo assim, o plano falhou.
Berna inicialmente discutia a ideia de 67 anos como
idade mínima para homens e mulheres. Mas acabou saindo do Parlamento suíço uma
proposta que endureceria a regra apenas para as mulheres, cujo limite mínimo
passaria de 64 anos para 65 anos – se igualando ao atual patamar para os
homens. O projeto, que foi às urnas recentemente, também previa aumento de
impostos para tentar equilibrar as contas. A população, porém, não foi
convencida.
De acordo com o economista Rudolf Strahm, uma das
vozes mais respeitadas do país em matéria de Previdência, os suíços tendem a se
posicionar contra “passos muito largos”. Apesar de a última proposta, na
avaliação dele, ser moderada, “é um assunto extremamente complexo e que envolve
muitas emoções” por tratar de aposentadorias. Dos quase 8,3 milhões de
habitantes na Suíça, aproximadamente 1,5 milhão são aposentados.
A encalacrada reforma é um tema que está nas ruas.
Arquiteto, de 52 anos, Stefan Reiser votou contra a últimas tentativas de
reforma, inclusive na vez em que a idade mínima poderia subir para 67 anos.
“Quando uma pessoa com quase 60 anos ainda está trabalhando, ela já tem
bastante sorte. Se perder o emprego, não consegue se recolocar no mercado. Eu
não sei qual a solução [para a Previdência], mas essas [apresentadas] eu não
aprovo”, explicou.
A desconhecidos, Raphael Hirt, de 42 anos, evita contar
que votou a favor da reforma em setembro. Depois de, enfim, revelar a escolha,
já se justificou: “estou preocupado com o futuro”. Ele e Reiser acreditam que o
governo teve uma estratégia ruim de comunicação. “Se as pessoas não estão bem
informadas, fica difícil conseguir aprovar alguma mudança. Ainda mais quando há
uma onda conservadora, como a que vemos na Europa”, disse Hirt.
Às vésperas da última votação, os dois lados
fizeram intensas campanhas. Dos três maiores partidos políticos do país, dois –
o de extrema-direita SVP e os liberais FDP – foram contrários à reforma,
enquanto que os esquerdistas SP fizeram campanha a favor das mudanças. Até as
centrais sindicais se dividiram.
Insistindo na reestruturação da Previdência, o
governo da Suíça reabriu as negociações no fim de outubro. Mas o tema é
polêmico e já se admite ser difícil chegar a um consenso. “Isso é uma grande
discussão”, afirmou o ministro do Interior após se reunir com partidos
políticos e sindicalistas.
Praticamente opostos em termos de renda per capita,
qualidade de vida e segurança, Brasil e Suíça têm um problema em comum pra
resolver. Os aposentados suíços têm, ao menos, a vantagem de morar na
Suíça.
Fonte: Exame