Vamos juntos ali fazer um xixizinho?
Que território,
que nada: urinar, como bocejar, é contagioso até entre chimpanzés
As mulheres levam fama de irem juntas ao banheiro,
e tem homem que fica intrigadíssimo com o que parece ser, e de fato é, uma
atividade social feminina.
Para elas, a visita conjunta ao banheiro tem várias
funções: segurança, comunicados urgentes em privado, checagem de que a roupa e
o cabelo estão no lugar, coleta de dados arquitetônicos e de decoração.
Parece
que basta uma levantar da mesa do restaurante e as outras "lembram"
que também precisam ir.
Mas as mulheres não estão sozinhas. Em matéria de
fazer xixi, os homens são ainda mais agarradinhos, e o que é pior, em público.
Conheci uns na Europa que não podiam ver uma árvore e já iam juntos aliviar a
bexiga na saída do bar, sem interromper a conversa.
Essa coisa de um fazer xixi onde o outro também
fez, ou faz, é conhecida de quem tem cachorro, e costuma ser atribuída a
marcação de território.
Não parece ser o nosso caso, pois a versão moderna da
nossa espécie faz tudo para evitar, apagar e esconder odores corporais —e sem
eles não há marcação de território.
Isso me faz pensar que esse papo de fazer xixi para
marcar território está mal contado.
Comportamentos de animais vertebrados em
geral são semelhantes entre espécies, posto que são organizados por cérebros
evolutivamente semelhantes.
É mais provável, portanto, que exista uma outra
explicação para o "contágio social" da micção (biologês para o ato de
fazer xixi) —e é claro que eu vou sugerir uma já já.
Começa que chimpanzés também têm muito mais
probabilidade de fazerem xixi quando veem outro chimpanzé urinar, e parece ser
uma questão de simples imitação. Um estudo japonês recém-publicado na
revista Current Biology acompanhou
16 chimpanzés machos e quatro fêmeas ao longo de mais de 600 horas e catalogou
todas as instâncias de micção de todos os animais só para descobrir se ver um
colega urinar serve de inspiração imediata.
Serve,
naturalmente. Ver um colega urinando a mais de 3 metros de distância duplica a
probabilidade de um chimpanzé fazer xixi nos próximos 60 segundos; se o outro
urina a menos de 3 metros, a probabilidade triplica; e se o colega faz xixi do
seu ladinho, a probabilidade do seu xixi quintuplica.
O grau de afinidade
social entre os animais parece ser irrelevante; por outro lado, quanto menor o
status social de um chimpanzé no grupo, maior é a probabilidade de ele copiar a
micção alheia.
Os
autores do estudo se limitaram a concluir que urinar é "socialmente
contagioso" também nos nossos parentes mais próximos, os chimpanzés. Mas
por quê?
Eu
arrisco um palpite educado. Acho que a explicação mais simples para a
"micção social", que inclui aquela que presumem ser territorial, é
antes de mais nada um ato de imitação que é inspirado pela percepção sensorial
do estado da própria bexiga, que por sua vez é instigada pelo xixi alheio.
Assim:
você anuncia que vai levantar da mesa para ir ao banheiro, então meu cérebro
representa o conceito mental do xixi, que inclui uma sensação específica, e
nisso inevitavelmente consulta o estado atual de distensão da minha bexiga,
e... é, olha só, eu já podia fazer um xixizinho e não tinha notado.
Passar
à ação é fácil quando existe quem copiar.
A
instigação sensorial também explica, aliás, por que foi difícil escrever esta
coluna sem agora querer ir ao banheiro... e aí, deu vontade em você também?
SUZANA
HERCULANO-HOUZEL - bióloga e neurocientista da
Universidade Vanderbilt (EUA)