Socorro, minha filha virou adolescente
O desejo de
independência de um filho é rock para os ouvidos
Os ventos mudaram por aqui. Antes, quando eu abria
a porta do quarto da minha filha, sentia a brisa doce dos suores da infância.
Agora, aquela lufada de chulé e dos hormônios em ebulição da adolescência.
Não são só as minhas narinas que percebem a
mudança. O banheiro, antes lugar de passagem, virou residência da adolescente, com CEP, logradouro.
Eu, que era
o centro do universo, agora sou "muito cringe, mãe", e tô por fora de tudo o que
tá rolando.
Por isso me rendi à proposta: ir ao show da Olivia Rodrigues. "Não é Rodrigues, é
Rodrigo", minha filha teve que repetir uma dezena de vezes, até
meu cérebro absorver a informação.
Apesar do valor alto do ingresso, achei que
valeria: era uma forma de me entrosar melhor com os interesses dessa fase e
ainda seria nosso primeiro show juntas— histórico para esta cronista que sempre
gostou tanto de shows em estádios.
Gostou
no passado, já que nos últimos anos minha lombar tem reclamado toda vez que
fico em pé por mais de uma hora. Achei que deveria me preparar.
E me
prepararei. Caprichei na ioga naquela semana. Separei os tênis mais
confortáveis. Resgatei uma pochete para não levar bolsa e ter dor no ombro.
Taquei um analgésico para dentro do zíper —bons tempos em que eu levava outros
tipos de substâncias.
Além
disso, ouvi bastante Olívia Rodrigues. Ou melhor, Rodrigo. Durante uma semana
fomos até a escola com a cantora no último volume, sem dar uma única canja para
os jurássicos que costumam rolar no meu automóvel.
No
dia do show, eu estava me sentindo uma garota de 18 anos. Não de 13, como minha
filha, porque afinal eu era a responsável pelo rolê, tendo que posar de
acompanhante na catraca.
Mas, de resto, fiz minha parte, vestindo até uma
camiseta com mangas brilhantes, já que o uniforme oficial das Olivetes é lilás
e paetês.
Também
fiz algo que não fazia nem pelos meus ídolos: chegar horas antes para pegar
lugar na frente da pista.
Como ainda faltava muito para o show, sentamos
naquele chão carimbado por tênis, chicletes e bactérias. Compramos um salgado
de queijo, o único disponível —uma pena eu não ter levado meus comprimidos de
lactose.
Com
a barriga estufada e a lombar começando a dar sinais de existência, encarei o
show de abertura: chatíssimo.
Mas não reclamei. Fiquei tirando selfies com
focinho de cachorro, como minha recém-adquirida juventude pedia.
Quando
a Rodrigo entrou: o alívio. Era melhor do que eu esperava. Uma potência de 22
anos, que canta, toca piano e guitarra e duplica de tamanho em cima do palco.
A
banda com ares feministas e a cenografia punk me cativaram.
De repente, eu cantava junto os refrões que
decorei. Fazia vídeos da cantora. Gritava pelo hit "Vampire". Pulava
nos melhores riffs, apesar da barriga fermentando e da lombar suplicando
"por favor, pare". E apesar da chuva, que descia como uma cascata
pelas lentes dos meus óculos bifocais.
Sim, foi um grande momento. Saímos de alma e roupa
lavadas, eu realmente me sentindo jovem, a BFF da minha filha. Até que ela
virou para mim e disse: "foi demais, hein, mãe! Não vejo a hora de crescer
e vir sozinha com as minhas amigas".
De repente, voltei a ter 50 anos. Se me chateei?
Nem um pouco. Até dei risada. O desejo de independência de um filho também
é música —e das boas— para os nossos
ouvidos.
GIOVANA MADALOSSO - escritora, roteirista e uma das idealizadoras do movimento Um
Grande Dia para as Escritoras