O que
são as criptomoedas?
Ao longo da
história, o dinheiro assumiu diversas formas até chegar ao papel.
Tão logo o desenvolvimento da
agricultura e da tecnologia permitiu a produção de excedentes, as sociedades
humanas começaram a permutar bens, trocando o que têm em excesso por aquilo de
que carecem.
Inicialmente
usamos a troca direta, mas isso é muito ineficiente: na maioria das vezes em
que duas partes se encontram, o que uma tem a oferecer não interessa à outra.
Para resolver esse problema, inventamos uma de nossas ficções mais influentes e
estranhas: o dinheiro.
Dinheiro pode assumir formas
diversas pelo mundo: conchas, sementes, sal (de onde acha que vem a palavra
“salário”?), plaquinhas de metal, pedaços de papel, até bits digitais.
Ao longo da história
acreditou-se que moedas valiam o metal com que eram feitas e, mais tarde, que
papel-moeda tinha que estar lastreado em reservas de ouro ou prata, de modo que
qualquer um pudesse trocar suas notas pelo valor em metal quando desejasse.
Essa ilusão evaporou no início do século 20: dinheiro não precisa ter valor em
si mesmo.
Mas é absolutamente
necessário que seja confiável: o que confere valor ao dinheiro é a confiança
dos usuários de que poderão convertê-lo em bens valiosos quando desejarem.
É
por isso que a falsificação e outros atentados à integridade da moeda são
punidos com tanta severidade, e que o funcionamento do dinheiro sempre exigiu a
existência de autoridades emissoras e reguladoras (bancos centrais).
Isso está
mudando, e o mundo financeiro nunca mais será o mesmo.
Em novembro de 2008, foi
publicado na internet um artigo em que uma misteriosa pessoa ou entidade,
autonomeada Satoshi Nakamoto, apresentava um novo tipo de moeda, com
características revolucionárias: a bitcoin.
A bitcoin é um exemplo de
criptomoeda, pois não tem suporte físico, consiste meramente de informação
mantida na nuvem. Muitas outras surgiram posteriormente e se popularizaram
rapidamente.
Seu aspecto mais inovador (e
perturbador) é que criptomoedas não são emitidas por nenhuma entidade
financeira, e não estão sujeitas a qualquer agência reguladora.
O próprio
sistema está desenhado de modo a garantir a confiança na moeda, impedindo
falsificações e outros atos ilícitos. Como isso é feito?
A resposta contém três
elementos principais: “blockchain”, validação de assinaturas e mineração. Todos
usam matemática de modo essencial e estou certo de que ainda serão relevantes
quando a bitcoin tiver virado história. Discutirei cada um na próxima semana.
Como
funciona a bitcoin?
O sistema foi criado para garantir a integridade da
moeda de forma automática
Em 2010, depois de ter dado a
partida numa ideia revolucionária –a bitcoin–
o misterioso Satoshi Nakamoto sumiu sem deixar rastros: nem sequer sabemos se
se trata de uma pessoa ou de um grupo.
Nem isso, nem os alertas
quanto ao perigo de
investir numa moeda tão intangível impediram a bitcoin (e outras
criptomoedas) de se tornarem um fenômeno de popularidade: seus usuários
atualmente contam-se pelos muitos milhões. E a nova moeda teve
O bitcoin foi criado em 2009 por Satoshi Nakamoto
(um codinome, que ninguém sabe quem é de fato).
A ideia original era substituir
as moedas centralizadas, evitando a intervenção de governos Reuters
O sistema da bitcoin foi
desenhado para garantir a integridade da moeda de forma automática, sem uma
organização responsável.
Ele tem três elementos críticos, todos fortemente
baseados em matemática: “blockchain”, validação de assinaturas e mineração.
A ideia de blockchain (cadeia
de blocos) é que todas as transações estão registradas no sistema e acessíveis
a qualquer usuário, praticamente em tempo real.
São agrupadas em blocos de cerca
de mil transações cada, organizados sequencialmente.
Assim, todo usuário pode
saber o saldo de bitcoins de qualquer outro. No entanto, a privacidade é total,
pois os usuários são identificados por um código.
Todas as transações são
validadas por assinatura digital.
É usada criptografia de chave pública, em que
cada usuário tem duas senhas: uma privada, que usa para “assinar” suas
transações, e outra pública, que os demais podem usar para confirmar que a
assinatura é válida.
O método está baseado no fato de que certas operações
matemáticas são muito mais fáceis de fazer do que de desfazer: neste caso, a
matemática vem da chamada teoria das curvas elípticas.
Também é necessário impedir
que alguém passe “cheques sem fundos”, gastando o mesmo dinheiro em várias
operações quase simultâneas.
Isso envolve um dos aspectos mais curiosos do
sistema: transações em bitcoins não são validadas imediatamente, vão para uma
lista de pendências.
É aí que entram os mineradores, usuários cuja função é
verificar as transações e criar novos blocos que, uma vez acrescentados à
cadeia, não poderão mais ser modificados.
O trabalho dos
mineradores é pago: 12,5 bitcoins por bloco atualmente, mas o valor
irá diminuindo. São cerca de 1.800 bitcoins (144 blocos) “mineradas” por dia.
Essa é a única forma de criar bitcoins. Já foram minerados 18 milhões de
bitcoins – Nakamoto estabeleceu um limite de 21 milhões – restam menos de 3
milhões para garimpar.
Marcelo
Viana -
diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio
Louis D., do Institut de France.
Fonte: coluna jornal FSP