Governo dobra a aposta na
manutenção de certificado digital monopolizado.
O governo federal acenou que iria digitalizar os serviços públicos para
acabar com o martírio da burocracia que assola o país. Passados mais de 13
meses de governo, já dá para ver um pouco como essas políticas estão se
desdobrando. E as notícias não são boas.
Houve,
sim, avanços no território de digitalização de serviços públicos. No
entanto, esses avanços estão longe de representar uma solução verdadeira para a
burocracia.
Em
outras palavras, o governo vem atacando só os galhos, deixando intacta a raiz
do problema. E qual é a raiz do problema? Ela é dividida em duas partes.
Primeiro,
a inexistência de uma identidade digital verdadeira no país. Segundo, a
dispersão total dos serviços públicos, que deveriam ser unificados em uma
plataforma única (veja bem: unificação dos serviços públicos, e não dos dados
públicos, o que seria uma atitude totalmente irresponsável).
Sobre
o primeiro aspecto, a situação é vergonhosa. O Brasil não tem e nem terá tão
cedo uma identidade digital de verdade, como conseguiu a Estônia ou a Índia, capaz de revolucionar os
serviços públicos.
A
característica da identidade digital desses países é a universalidade e a
capacidade de permitir a construção de outros serviços digitais em cima dela.
Em
outras palavras, todo cidadão tem acesso a uma identidade digital gratuitamente. E essas
identidades digitais podem ser utilizadas como ferramenta única de acesso para
qualquer serviço público ou privado naqueles países.
O
Brasil, por sua vez, apostou em um sistema oposto. O único método de identidade
digital minimamente funcional disponível no país é o vergonhoso Certificado Digital, que é monopolizado por um
órgão do governo federal chamado ITI (Instituto da Tecnologia da Informação).
Só
que esse certificado digital custa até R$ 180 anuais para ser obtido. O
resultado é que há menos de 5 milhões de brasileiros com ele e mais de 195
milhões de brasileiros que nunca terão um Certificado Digital.
Esses
brasileiros estão certos. Não faz sentido um cidadão ter de pagar R$ 180 para
poder acessar sites governamentais que deveriam ser acessados por todos os
cidadãos gratuitamente, como a Receita Federal.
Sem
o vergonhoso Certificado Digital, o acesso completo a esses
sites não é possível.
Com
o discurso do governo, era esperado que esse monopólio seria quebrado. Ledo
engano. Ao contrário, o governo federal está dobrando a aposta na manutenção do
ITI e no seu papel de impedir que o Brasil tenha uma identidade digital
universal, verdadeira e gratuita.
Na
semana passada, por exemplo, a tropa de choque do governo pressionou e
conseguiu alterações em um projeto de lei que tramitava no Congresso que
permitiria criar uma identidade digital gratuita e universal no Brasil. Em vez
disso, quiseram criar ainda mais proteções legais ao vergonhoso Certificado
Digital.
Em
suma, o Certificado Digital é hoje a raiz de boa parte do atraso na
digitalização dos serviços públicos no Brasil. Em um país verdadeiramente
liberal, a lição do grande liberal americano Henry David Thoreau já teria sido
aprendida: “Para cada mil homens dedicados a cortar as folhas do mal, há apenas
um atacando as raízes”.
No
governo federal há muito mais de mil homens atacando as folhas da burocracia e
nem um sequer atacando as raízes.
Ronaldo Lemos -
advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.
Fonte: coluna jornal FSP