Modelo vergonhoso de certificação
digital vai dificultar plano de Bolsonaro.
O
presidente Jair Bolsonaro está de saída do PSL e quer criar um novo partido. Ele irá
enfrentar um problema que afeta dezenas de milhões de pessoas e empresas: a
dificuldade de fazer qualquer coisa usando assinaturas digitais no
Brasil.
Como
se sabe, para criar um partido, é preciso coletar
assinaturas correspondentes a 0,5% dos votos válidos na eleição mais recente.
Isso dá 500 mil pessoas. É preciso também colher assinaturas em todos os
estados, com ao menos 0,1% do eleitorado de cada um.
Não
é tarefa fácil. Em razão disso os ex-integrantes do PSL tiveram a boa ideia de utilizar um aplicativo para colher assinaturasdigitalmente. A questão é que irão dar com os burros n’água.
Há
duas razões para isso. A primeira é que o TSE já se manifestou dizendo que,
para criar um partido via assinatura digital, é preciso utilizar o modelo de
“certificação digital”.
A
segunda razão é que essa “certificação digital” é objeto de monopólio no
Brasil. Esse monopólio é exercido por um órgão público do próprio governo
federal, chamado ITI (Instituto da Tecnologia da Informação). O ITI é
responsável por coordenar no Brasil o vergonhoso “certificado digital”, que é
vendido por entidades privadas cadastradas através dele. Um certificado digital
custa entre R$ 120 e R$ 250 e precisa ser renovado periodicamente.
O
resultado é que, com esse preço exorbitante, há no país menos de 3,78 milhões
de pessoas com certificado digital (menos de 2% da população). Detalhe: esse
modelo de certificação existe desde 2001.
Depois
de mais de 18 anos, permanece estagnado, com 98% da população brasileira
excluída dele.
Obviamente,
o impacto negativo vai além da criação de partidos. Sem uma forma digital de
assinar documentos e comprovar identidades, os serviços públicos brasileiros
permanecem na idade da pedra, condenados a serem prestados em papel e a exigir
a presença física do cidadão toda vez que um novo procedimento é iniciado.
Além
disso, também o setor privado fica engessado, enfrentando incerteza jurídica
sempre que recorre a outras formas de certificação diferentes daquela
monopolizada pelo “certificado digital” oficial.
Desde
2001, quando o certificado foi regulamentado no Brasil, a tecnologia mudou
totalmente. Hoje é possível usar blockchain e uma infinidade de outras formas
de comprovar a identidade e validade de uma assinatura eletrônica. Mesmo assim,
o modelo do ITI permanece sendo tratado como legalmente superior a todas as
outras formas disponíveis.
Com
isso fica uma sugestão a Bolsonaro: resolva não só o seu problema específico de
criar um partido mas também o problema dos mais de 200 milhões de brasileiros
que não possuem um certificado digital.
Há
várias formas de fazer isso. Uma delas é revogando os dispositivos da medida
provisória 2.200-2, que regulamenta o ITI. Isso abrirá o caminho para que
floresçam inúmeras formas de certificação digital, que poderão ser criadas
tanto pelo poder público como pelo setor privado. Com isso, além de criar seu
partido digitalmente, de quebra, ficará plantada a pedra fundamental para
revolucionar a eficiência dos serviços públicos e transações privadas no país.
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade do Rio de Janeiro.
Fonte:
coluna jornal FSP