Também
é preciso reconhecer que, no Brasil, a longevidade é um fenômeno do século 21.
Na Europa, por exemplo, já no século 20, a longevidade deixou de ser uma
experiência individual para se transformar em processo vivenciado
coletivamente.
No Brasil, a longevidade e o envelhecimento são uma realidade nada atraente.
Sem referências positivas, o imaginário demora mais para assimilar tudo o que
os dados estatísticos registram, antecipam e representam. Sem referências
positivas que sinalizem para outras possibilidades, prevalecem as resistências
às transformações.
"(...) na França
metropolitana, pessoas de 85 anos ou mais, que representavam 0,5% da população
em 1950, são 2,7% em 2012 e deverão representar 7,5% da população em 2050.
Já o número de centenários passou
de 200 em 1950 a 17.000 hoje, devendo chegar a 60.000 em 2050. É o que os
demógrafos chamam de 'envelhecimento no envelhecimento'.
Tal fenômeno é acompanhado de
um aumento da expectativa de vida sem incapacidades e da chegada à idade
avançada de pessoas em condições físicas relativamente boa. Essa realidade é
ocultada pela focalização de políticos e dos meios de comunicação nas pessoas
idosas que vão mal, que sofrem de alguma deficiência física ou psíquica e não
conseguem mais realizar sozinhas certas atividades básicas da vida cotidiana,
como a higiene pessoal, vestir-se ou alimentar-se". [*]
A experiência com o tempo
depende de condições objetivas (ambientais, econômicas e sociais). É também uma
relação simbólica que envolve valores e referências que se transformam
permanentemente. No Brasil, o envelhecimento e a longevidade ainda são
associados às mudanças físicas. Na França, o envelhecimento e a longevidade são
associados a novas possibilidades e oportunidade de adaptação permanente (para
superar as limitações funcionais, por exemplo).
Objeto do desejo
Ainda que o envelhecimento não tenha status de objeto do desejo, ele
pode ser interpretado e vivenciado de formas diferentes em lugares diferentes.
A "experiência de uso" mais realista, pragmática e positiva da
longevidade termina ressignificando o envelhecimento como um processo de
formação de patrimônio pessoal que não se restringe aos bens financeiros e
contempla também a experiência de vida, a qualidade, o equilíbrio emocional, a
liberdade, a independência e autonomia. Reconhecido e legitimado, esse
patrimônio pessoal passa a ser identificado como objeto de atenção paras
gerações mais jovens, que o associam a respeito e fator de sucesso.
"Os indivíduos
contemporâneos são convidados a ser atores e responsáveis por sua vida e a
decidir por si mesmos quanto a sua existência. Em outras palavras, a matriz
cultural segundo a qual a vida é um 'projeto', exigindo que sejam feitas
escolhas, está no cerne da modernidade". [*]
Não dá para saber se em lugares economicamente mais desenvolvidos - como
é o caso da França - os jovens fazem associação imediata entre longevidade e
Previdência Complementar ou plano de futuro. Mas dá para entender que o
imaginário sobre envelhecimento e longevidade já inclui elementos de felicidade
e plenitude. E ainda que a felicidade seja fugaz, como a juventude, graças a
essa real "experiência de uso do tempo", a longevidade e o
envelhecimento ganham uma feição, no mínimo, mais simpática.
O distante cada vez mais
próximo
O envelhecimento está mais próximo para todos. Isso é fato! Menos natalidade e
maior expectativa de vida são a base da fórmula. Vamos esperar que a
experiência coletiva faça evoluir o imaginário, a cultura e a relação com o
tempo.
Se viveremos mais e se o tempo de envelhecer será maior do que o da juventude,
então será mais lógico e confortável fazermos as pazes com ele, ao invés
desperdiçar energia rejeitando e combatendo a realidade. Sabedoria e equilíbrio
para todos agora! E, no futuro, eu não sei bem se plano de aposentadoria. Mas
planos para vidas cada vez mais longas, certamente!
[*] Trechos do artigo Da terceira idade à idade avançada: a conquista da
velhice, de Vicent Caradec, publicado no livro Velho é
lindo!, de Mirian Goldenberg. Civilização Brasileira, 2016.
Eliane Miraglia -
mestre em Ciências da Comunicação, especialista em Gestão de Processos
Comunicacionais e consultora de comunicação, tem participado em projetos com a
Suporte Educacional.
Fonte: blog da Eliane: www.elianemiragliablogspot.com.br