Não, você não leu errado.
Primeira boa notícia: 2015 está acabando. Com o desastre de Mariana, o Sul e o
Norte do país alagados e o Sudeste sem água, a epidemia de microcefalia,
intermináveis escândalos de corrupção, a crise política, a economia em queda
livre e o Corinthians campeão brasileiro, 2015 é um ano que não vai deixar
saudades para a maioria dos brasileiros.
Agora,
a melhor notícia. Ao menos na economia, 2016 pode ser um ano não tão ruim
quanto a maioria teme e, quase com certeza, os anos seguintes serão melhores,
talvez muito melhores.
Para
entender por que, precisamos voltar um pouco no tempo. A presidente Dilma tomou
posse em 2011. Desde então, duas tendências foram marcantes. Ano após ano, as
expectativas de crescimento – medidas pela média da sondagem feita no final do
ano pelo Banco Central com os economistas dos bancos para o crescimento no ano
seguinte – deterioraram-se. Mais grave, o crescimento efetivo em todos os anos
foi ainda pior do que as expectativas. Em outras palavras, o desempenho da
economia brasileira vem piorando consistentemente desde 2011.
Aliás, desde 2011, a economia
brasileira foi a segunda que menos cresceu em toda a América Latina. Só
superamos a Venezuela e só porque o PIB da Venezuela cairá cerca de 10% neste
ano.
Nem sempre foi assim, nos cinco
anos anteriores, as tendências eram opostas. Com exceção de 2009 por conta dos
impactos da crise financeira global, as expectativas tinham uma clara tendência
de melhora e o crescimento efetivo do PIB sempre superava as expectativas.
O que
mudou na política econômica brasileira desde 2011? Muita coisa. Talvez, as duas
mudanças mais significativas tenham sido um forte aumento no intervencionismo
estatal e a falta de coragem do governo no combate à inflação.
Um
traço comum das políticas econômicas adotadas pela equipe do Ministro Guido
Mantega no primeiro mandato da presidente Dilma foi tentar solucionar problemas
a partir da premissa de que reduzir a remuneração das empresas era parte da
solução. O exemplo mais marcante talvez tenha ocorrido no setor elétrico.
Há
cerca de quatro anos, o governo diagnosticou – corretamente, diga-se de
passagem – que a energia elétrica brasileira era a mais cara entre as 30
maiores economias mundiais. Algo deveria ser feito para reduzir seu custo.
Havia várias causas para o problema. A mais grave é que o total de impostos
pagos tanto pelos consumidores quanto pelas empresas no Brasil era disparado o
maior. Ao invés de reduzir drasticamente os impostos – o que exigiria corte dos
gastos do governo – o governo diminuiu-os minimamente e, como condição para
renovar seus contratos de concessão de exploração de serviços, exigiu das
empresas uma redução no preço de venda da energia para o consumidor.
Inicialmente, os preços caíram um pouco. Como o consumo de energia ficou
constante, as receitas das empresas do setor também caíram. Infelizmente, o
custo para as empresas é pouco flexível, já que o maior deles é construir a
infraestrutura de geração, transmissão e distribuição da energia. Assim, qual
foi o impacto da medida nas empresas? Receitas menores e custos constantes
reduziram a rentabilidade dos negócios, o que as levou a cortarem seus
investimentos, diminuindo o ritmo de expansão de nossa oferta de energia nos
anos seguintes. Para piorar, São Pedro parece não ter gostado das mudanças e as
chuvas escassearam em parte do país. Assim, quatro anos depois, não há energia
suficiente, por falta de investimentos, e para reequilibrar a demanda a um
nível mais baixo de oferta, os preços tiveram que dobrar e até triplicar.
Em
resumo, políticas econômicas que estimulavam o consumo, mas desestimulavam a
produção, levaram a confiança dos empresários a cair cada vez mais, reduzindo
os investimentos produtivos e gerando dois grandes desequilíbrios na economia
brasileira.
O
primeiro aconteceu em nossas contas externas. A elevação de custos para se
produzir no Brasil levou cada vez mais empresas e consumidores a preferirem
trazer os produtos do exterior a produzi-los ou comprá-los aqui. Quando o
ex-Ministro da Fazenda Guido Mantega tomou posse, há 9 anos, o Brasil tinha um
superávit anual na balança comercial de produtos manufaturados de US$10
bilhões. Exportávamos US$10 bilhões mais do que importávamos. Quando ele
deixou o governo, há 11 meses, tínhamos um déficit de US$110 bilhões. Por isso,
nossa indústria encolheu mais de 20% desde o lançamento do Programa Brasil
Maior, criado supostamente para estimular a competitividade da indústria
brasileira há quatro anos e meio.
O
segundo desequilíbrio veio com a inflação. Aumentos de custos de alugueis, mão
de obra e matérias-primas pressionaram a inflação e não foram combatidos pelo
Banco Central com o devido afinco, pelo menos não até as eleições de outubro do
ano passado.
Para
piorar, o governo represou até as eleições vários aumentos de preços que
controla, como energia elétrica, gasolina, ônibus, metrô e outros. Após as
eleições, com as contas públicas em frangalhos, os aumentos vieram todos de uma
vez – os preços que o governo controla subiram em média 18% nos últimos 12
meses – elevando ainda mais a inflação.
Por fim, o governo Dilma gerou
mais um grande desarranjo macroeconômico: nas contas públicas. Gastos cada vez
maiores e uma economia estagnada – reduzindo a arrecadação de impostos –
causaram um desequilíbrio fiscal que minou a confiança no país, reduzindo os
investimentos e o crescimento econômico.
Enfim,
a herança econômica deixada pelo governo Dilma I ao governo Dilma II foi uma
economia gravemente enferma. Para tratar nosso câncer econômico, sai Guido
Mantega, entra Joaquim Levy e começa a quimioterapia.
As
políticas econômicas mudam radicalmente e, aos trancos e barrancos, estão
curando a doença. O problema é que, inicialmente, o paciente, a economia
brasileira, sofre com ambos – a doença que ainda não foi curada e os efeitos
colaterais da própria quimioterapia econômica. Em resumo, antes de resolver
nossos desequilíbrios econômicos, a alta de juros, dólar e impostos deprime
ainda mais a economia.
Para
ajustar as contas externas, o real passou por uma maxidesvalorização que
encareceu produtos importados, tornando a opção de trazer os produtos de fora
do país menos atraente e, a médio prazo, estimulando a produção aqui. Por
consequência, os resultados da balança comercial começaram a melhorar.
A alta
do dólar tem, no entanto, um importante efeito colateral. Ao tornar mais caros
os produtos importados, ela alimenta a inflação. Para combater a alta da
inflação, o Banco Central dobrou a taxa básica de juros, encarecendo o crédito
aos consumidores. Com juros muito mais altos, os consumidores reduzem suas
compras. Com menos procura por seus produtos, para vender, as empresas não
podem subir tanto os preços, o que acabará reduzindo a inflação.
As
pressões altistas sobre a inflação eram tantas que a alta dos juros ainda não
surtiu efeito. Ao contrário, a inflação neste ano será a mais alta em 13 anos.
No ano que vem, a inflação deve cair, mas não o suficiente para atingir o
centro da meta – de 4,5%. Aliás, até o teto da meta inflacionária – de 6,5% –
corre o risco de ser estourado, o que pode forçar o Banco Central a aumentar
ainda mais os juros no início do ano que vem.
Por
outro lado, por conta da mais profunda e longa recessão em mais de 30 anos, a
trajetória de queda da inflação deve continuar em 2017, o que deve criar
condições para que os juros caiam entre o final do ano que vem e início de
2017. Isto faria com que o crédito e o consumo voltem a crescer e estimularia
os investimentos produtivos e a geração de empregos.
Para
que isto aconteça, precisamos antes resolver o último desajuste macroeconômico
gerado no primeiro mandato de governo da Presidente Dilma – o das contas
públicas. Como em uma família ou em uma empresa, só há duas formas de colocar
as contas do governo em ordem: elevação de impostos, ou cortes de gastos.
Aliás, cortar gastos seria a solução ideal em um país onde o total de gastos públicos
é um dos mais elevados entre todos os países emergentes e a qualidade dos
serviços públicos está longe disso.
De um
ano para cá, o governo aumentou as alíquotas de alguns impostos, mas até agora
isto não foi suficiente sequer para contrabalançar a queda na arrecadação
causada pela queda do PIB. Em resumo, para colocar as contas públicas em ordem,
retomar a confiança, os investimentos e o crescimento do país, o governo ainda
precisará cortar mais seus gastos ou aumentar os impostos, o que ele não tem conseguido
fazer em função da crise política.
A
Presidente reelegeu-se com um discurso de que o país ia bem e que a inflação,
as contas externas e as contas públicas não eram problemas. Após a eleição, os
desequilíbrios econômicos e seus impactos negativos sobre empregos e salários
ficaram evidentes, causando em muitos a sensação de estelionato eleitoral. Para
completar, denúncias generalizadas de corrupção envolvendo líderes do Executivo
e do Congresso colaboram para levar a popularidade da Presidente a um dígito e
conturbar sua relação com o Legislativo, que passou a bloquear os projetos
necessários para reequilibrar as contas públicas.
Aí é que o jogo deve virar ao
longo de 2016. Enquanto permanecem a guerra política e o enorme déficit fiscal,
os investimentos produtivos no país secam e o desemprego não para de subir – em
breve, chegaremos a uma taxa de desemprego de dois dígitos, o dobro do que era
há um ano. Em tese, esta tendência de deterioração econômica poderia permanecer
inalterada por mais três anos, até as eleições de 2018, mas minha impressão é
que muito antes disso – provavelmente ainda em 2016 – o tecido socioeconômico
brasileiro se esgarçaria a tal ponto que conflitos, cada vez mais graves
emergiriam, tornando o já instável equilíbrio político insustentável. Duas
outras possibilidades parecem-me mais prováveis.
A
primeira é a pizza. O Executivo e o Legislativo chegariam a algum acordo que
garantisse o ajuste fiscal em troca de algum tipo de “imunidade” aos
investigados nos escândalos de corrupção tanto do Executivo quanto do
Legislativo, incluindo membros do governo e da oposição. O custo para o país de
não apenas perder a oportunidade de acabar com a cultura de aceitação de
corrupção, mas ainda reforçá-la, seria altíssimo a médio e longo prazos. A
curto prazo, no entanto, isto destravaria a economia, permitindo que pela
primeira vez desde 2011, as perspectivas de crescimento para os anos seguintes
fossem melhores do que nos anos anteriores.
O que torna a possibilidade
acima menos provável é que para que ela se materializasse faltaria combinar com
os russos. Ela só seria possível se o Judiciário, que tem se mantido
razoavelmente insulado das pressões políticas, fosse controlado ou
cooptado.
Sobra a segunda alternativa: a
crise atual continua e se agrava ao longo do início do ano que vem, com alta na
taxa de desemprego e uma queda ainda maior na popularidade e redução da base de
apoio político da Presidente, tornando sua sustentação no cargo impossível. É
bom lembrar que o ex-presidente Collor não caiu apenas em função de denúncias
de corrupção, mas por ter popularidade de um dígito e ver seus aliados
gradualmente abandonando-o, como acontece com o atual governo. Neste caso, um
novo presidente – tanto no caso do vice-presidente Michel Temer assumir, quanto
no caso de novas eleições acontecerem – provavelmente teria uma base política
mais sólida, o que criaria condições para finalizar o ajuste fiscal, retomar a
confiança e o crescimento.
Portanto,
ainda que com timing, ritmo de recuperação e consequências de médio e longo
prazos, bastante distintos, nos dois casos é provável que em algum momento de
2016 ou, na pior das hipóteses, ao longo de 2017, a economia brasileira inicie
um processo de recuperação. É ainda mais provável que, uma vez iniciada, a
recuperação seja muito mais vigorosa do que a atualmente projetada pela maioria
dos economistas e empresas.
O
desempenho econômico brasileiro no triênio 2014-2016 – com uma média esperada
de contração do PIB de 1,6% a.a. – será o segundo pior dos últimos 115 anos. Em
todas as outras vezes que houve uma contração do PIB significativa, ela foi
seguida de um crescimento bastante acelerado nos anos seguintes.
Quase ninguém espera isso desta
vez. As projeções trimestrais para o PIB da maioria dos analistas indicam PIB
em queda até o primeiro trimestre do ano que vem, seguido de estagnação por
quase dois anos depois disso. A história econômica brasileira e internacional
sugere que a queda do PIB nos próximos trimestres pode ser até ser mais intensa
e durar mais do que projetam hoje os analistas, mas uma vez resolvidos o buraco
fiscal e a crise política e retomada a confiança na economia brasileira, a
recuperação, quando acontecer, deve ser muito mais forte do que a projetada
hoje. Como no período anterior ao início do governo Dilma, ao menos por alguns
anos, as surpresas econômicas devem voltar a ser positivas e o crescimento deve
acelerar-se, ao invés de desacelerar-se.
Eu não
sou o único vendo que as expectativas e econômicas de longo prazo e, por
consequência os preços dos ativos no Brasil, tornaram-se excessivamente
pessimistas. Para aproveitar as oportunidades de negócios que estas surpresas
positivas trarão, de uma semana para cá, três empresas estrangeiras fizeram
investimentos bilionários no país. No setor de cosméticos, a francesa Coty
comprou parte das operações da Hypermarcas. No setor de comunicação, a
americana Omnicom comprou o Grupo ABC. Na aviação, os chineses da HNA compraram
a Azul.
Ricardo Amorim - apresentador do Manhattan Connection da Globonews, colunista da revista IstoÉ, presidente da RicamConsultoria.