Matemática é coisa de menino?


Matemática é coisa de menino?

Desenvolver políticas públicas que incentivem o estudo dessa área entre meninas pode diminuir desigualdades.

A minha mãe nunca estudou matemática de maneira adequada. Até 1967, o ensino médio era dividido em três cursos: clássico, normal e científico. 

Minha mãe, que cursou o ensino médio em meados dos anos 60, optou pelo curso clássico, que tinha ênfase em filosofia e em línguas. 

A partir daí, qualquer curso superior que exigisse matemática estava fora do seu alcance. Eu me lembro de ficar surpresa quando ela me contou isso.

A primeira graduação foi no curso de turismo. Acabou nunca exercendo a profissão. Quando decidiu fazer uma segunda graduação, aos 42 anos, ela teve o apoio de todos em casa. 

Entrou no curso de psicologia, conseguiu se formar e ser uma excelente profissional. Contudo, uma das disciplinas a deixou aterrorizada. 

Era estatística. Sem base matemática adequada, ela precisou estudar muito mais para conseguir cobrir o déficit que tinha.

A matemática é um curso que permeia toda a vida escolar dos alunos: desde o ensino fundamental até o ensino médio. Além disso, é uma disciplina "cumulativa". 

Se o aluno perde o fio da meada, vai ficando mais difícil acompanhar o curso e o desinteresse na disciplina aumenta. Porém, o impacto da matemática na vida dos jovens vai muito além do fim do ensino médio. 

A escolha de cursos técnicos e superiores e da ocupação desses jovens pode ampliar as desigualdades de remuneração no mercado de trabalho que observamos.

Segundo o relatório "Contribuição dos trabalhos intensivos em matemática para a economia brasileira", feito pela Fundação Itaú, as pessoas com ocupações intensivas em matemática ganham bem mais, em média, que aquelas de outras ocupações.

Muito mudou desde a época da minha mãe. Mais mulheres se formam (em comparação aos homens) no ensino médio e superior e já não há mais essa distinção de áreas no ensino médio. 

Contudo, ainda hoje existem desigualdades entre meninos e meninas em matemática.

Segundo os resultados do Pisa (Programa de Avaliação Internacional de Estudantes) 2022, 73% dos alunos brasileiros têm um baixo desempenho na prova de matemática (contra 31% dos alunos da OCDE). 

Os resultados são ainda piores quando consideramos gênero. No Brasil, a média no desempenho em matemática de meninos é de 8 pontos a mais em relação à nota média das meninas. 

A diferença é ainda maior se avaliarmos os 10% melhores alunos: salta para 22 pontos.

Muitos poderiam dizer: "Que mal há em existir diferenças de gênero em matemática?". 

Porém, existem muitas camadas por trás das preferências e escolhas diferentes entre os indivíduos. Habilidades individuais podem ser inatas, mas as diferenças entre gêneros podem ser reforçadas por construções sociais. 

Se observamos diferenças de resultados na matemática entre gênero e raça, isso pode ser uma razão para o agravamento das desigualdades no mercado de trabalho.

A crença de que a matemática é "coisa de menino" é um outro fator de desinteresse. 

Segundo a literatura acadêmica, estereótipos de gênero e falta de confiança entre as mulheres são fatores que explicam e aumentam essas diferenças. 

Observando o desempenho, as diferenças de gênero muitas vezes são maiores em ambientes competitivos do que não competitivos. 

A busca por programas e atividades que diminuam essas desigualdades é importante para elevar a participação feminina nas áreas STEM (que compreende a ciência, tecnologia, engenharia e matemática).

Incentivar a participação feminina em olimpíadas de matemática, aulas de programação e robótica, desafios –como o desenvolvimento de aplicativos de celular– ou programas de mentoria que conectam jovens a modelos de comportamento, podem intensificar o interesse, a confiança e a intenção das meninas em seguir carreiras STEM. 

Os resultados, em geral, são positivos. 

Portanto, desenvolver iniciativas e políticas públicas nessa direção abrem caminho para reduzir essas desigualdades.

LORENA HAKAK - doutora em economia e professora da FGV. Atua como presidente da GeFam (Sociedade de Economia da Família e do Gênero).

Tel: 11 5044-4774/11 5531-2118 | suporte@suporteconsult.com.br