De
um lado, um senhor imigrante que investiu a sua reserva na Bolsa; de outro, um
jovem que colocou toda uma herança em previdência privada
Dois casos peculiares, com os quais me deparei
esses dias, deixam claro como a educação financeira ainda é algo distante
da nossa rotina.
E como isso tem servido aos piores propósitos.
De um lado, o drama vivido por um senhor,
imigrante, que colocou toda a sua reserva de dinheiro (inclusive o caixa de sua
empresa) em ações na Bolsa de Valores.
De outro, a reclamação de um jovem, com
menos de 20 anos, que alocou todo o valor que recebeu de uma (boa) herança em
previdência privada e seguro de vida.
São casos e problemas reais, que exemplificam dois
extremos: quem precisava de segurança colocou sua vida financeira em risco (e
está perdendo dinheiro e noites de sono com isso) e quem poderia correr um
pouco de risco em busca de mais retorno ficou com suas economias engessadas.
O imigrante em questão vivia de importar produtos
para revenda em pequenas indústrias brasileiras.
Com o início da pandemia de coronavírus, as fronteiras se fecharam e ele
não pôde mais viajar para os países dos quais importava.
Como trabalha com
volumes altos, acabou com um bom dinheiro parado, pois não tinha compras a fazer,
enquanto via seu estoque escassear.
Na tentativa de parar de queimar caixa para pagar
seus custos mensais, chegou ao mercado financeiro.
Achou, no entanto, que as
alternativas de renda fixa pagavam muito pouco.
Assim, colocou tudo (mais de R$
2,5 milhões) em ações, através de uma corretora, na qual diz ter sido
assessorado.
Na busca por uma “grande tacada”, metade do valor
foi parar em uma única ação, de empresa pequena e em recuperação judicial.
Detalhe: comprou o papel quando ele estava no preço mais alto dos últimos três
anos e, desde então, perdeu 60% do valor.
Já o rapaz chegou ao banco com quase R$ 500 mil,
que recebeu de herança de um parente.
Foi prontamente atendido por um gerente,
que o aconselhou a colocar tudo em fundos de previdência e seguro de vida.
Isso com menos de 20 anos e a vida inteira pela frente.
É claro que a pergunta do título do texto é uma
provocação. A virtude está no meio-termo e na diversificação. Mas isso não foi
dito por quem aconselhou tais investimentos.
Em ambos os casos, o mais provável é que houvesse
metas a serem batidas ou uma busca por receita a partir da venda de produtos
específicos.
São conflitos do mercado, sem uma solução simples ou simplista.
Tratar isso com naturalidade, no entanto, seria admitir a impossibilidade da
melhora.
As ações têm tempo próprio. Não é possível colocar
em um papel o dinheiro que você vai precisar em uma data certa.
Pode ser que no
dia do vencimento dos boletos, o mercado ou a empresa tenha seus soluços ou
coisa pior.
Fundos de previdência privada, por sua vez, servem
para suprir necessidades específicas.
São investimentos a longo prazo, com foco
na aposentadoria ou mesmo na sucessão
patrimonial.
Você deve imaginar que essas não são preocupações de alguém que
viveu menos de duas décadas, por mais precavido que seja.
Ambos os investidores retratados aqui tinham
condições e capital para fazer uma carteira de investimentos efetivamente
balanceada, para se proteger de solavancos e aproveitar boas oportunidades,
mantendo alguma coisa com a liquidez necessária para imprevistos ou gastos de
rotina.
O volume em cada “caixinha” vai depender das necessidades e ambições de
cada um.
São dois exemplos entre tantos que surgem
diariamente no mercado financeiro.
E servem para expor a necessidade de os
players investirem em transparência e educação financeira.
Para além disso, é
preciso mudar a lógica que se implantou nesse mercado, de oferecer produtos de
olho na instituição que os fornece e não nos clientes.
O setor, certamente,
continuará lucrativo e poderá tornar-se muito mais atraente.
MARCOS DE VASCONCELLOS - jornalista, assessor de
investimentos e fundador do Monitor do Mercado e do Monitor Investimentos.