O que era simples ficou complicado
Ficou
mais difícil investir a reserva financeira sem exposição ao risco de mercado.
A Letra Financeira do Tesouro, ou Tesouro Selic no
Tesouro Direto, deixou de ser um porto seguro para investir a sagrada reserva
financeira que não aceita a menor possibilidade de perda.
Quem investe nesse título, diretamente ou via
fundos de investimento, observou uma rentabilidade menor do que a esperada nas
últimas semanas –ou pior, um inesperado desempenho negativo.
Em 20 de outubro, a rentabilidade dos últimos 30
dias da Selic 2021 foi de 0,16%; a 2023 tinha rendimento quase nulo, de 0,02%;
a 2025 registrou desvalorização de 0,38%.
O que aconteceu? Para financiar o déficit público o Tesouro Nacional foi
com muita sede ao pote, fez leilões agressivos, oferecendo uma quantidade
surpreendente de títulos.
O mercado reagiu como era de se esperar, pediu
prêmio para aceitar o grande volume de dívida que o governo precisa financiar,
sinalizando que 100% da diminuta taxa Selic (2% ao ano) deixou de ser
suficiente. O mercado pediu mais, e o governo pagou.
Ao aceitar vender as letras com desconto para ampliar sua
rentabilidade, provocou uma desvalorização no estoque de títulos que estava em
poder do mercado.
E
acabou criando uma distorção na característica do título, até então de taxa
exclusivamente pós-fixada, imune à oscilação negativa de preços.
O mais correto
seria elevar a Selic que parece estar em nível insuficiente para o tamanho da
demanda e percepção de risco dos investidores.
Já
falei algumas vezes da marcação a mercado, procedimento obrigatório que atribui
aos títulos da carteira o valor atual de mercado.
Assim, o Tesouro Direto e os
administradores de investimentos coletivos (fundos e planos de previdência)
atribuíram aos títulos o novo valor de mercado, menor do que o anteriormente
contabilizado.
Por
que alguns fundos perderam e outros não? Diversos fatores explicam a diferença.
Os Fundos DI, que investem em títulos públicos e privados de taxa pós-fixada
foram os mais atingidos. Quanto maior a posição de títulos públicos do fundo,
maior o impacto.
Outro fator que explica a diferença é o prazo médio
dos ativos da carteira do fundo. Quanto maior o prazo (necessário para pagar
menos imposto de renda), maior o impacto.
Outras classes de fundos de renda fixa que investem
em taxa prefixada ou índices de inflação absorveram bem a estranha novidade.
Como evitar?
Infelizmente a vida do investidor ficou mais complicada. A
melhor forma de reduzir o risco de oscilação de preços sobre os recursos da
reserva financeira é investir em títulos de menor prazo. Infelizmente, a letra
mais curta que o Tesouro Direto oferece vence em 2025.
Depósitos bancários, como o CDB, LCI e LCA, não
foram impactados.
Como pertencem a um único investidor, não são marcados a
mercado, como como os produtos oferecidos mediante oferta pública (fundos de
investimento e planos previdenciários), são contabilizados nas condições de
compra.
Entretanto, expõem o investidor ao risco de
liquidez (quando exige carência) e risco de crédito (com garantia do FGC).
Sujeitos ao imposto de renda (no caso do CDB) e ao spread dos bancos, que
definem o percentual do CDI conforme o montante de recursos do cliente.
Os investidores mais conservadores dirão, com
alguma razão, que preferem deixar o dinheiro na poupança apesar da menor
rentabilidade.
Marcia
Dessen - planejadora financeira CFP
(“Certified Financial Planner”), autora de “Finanças Pessoais: O Que Fazer com
Meu Dinheiro”.