Educação e produtividade


Nesta primeira coluna do ano, volto ao tema recorrente das últimas semanas. Trata-se da centralidade da educação na melhora da produtividade do trabalho. O leitor pode ter certeza de que a insistência no tema não é exagero: é uma das questões mais relevantes para o Brasil em sua justa ambição de convergir para o nível de desenvolvimento das nações mais avançadas.


Em três colunas anteriores, apresentei a forma como a academia tratou o tema, desde as contribuições iniciais no fim dos anos 50 de Theodore Schultz, Gary Becker e Jacob Mincer até os trabalhos recentes de Eric Hanushek e tantos outros.


Apontei três momentos. Primeiro, um esforço para mostrar que a associação de maiores salários com maiores níveis de escolaridade é causal: maiores escolaridades aumentam a produtividade do trabalhador, o que aumenta seu salário.


Segundo momento, a tentativa de documentar que sociedades que se empenham em elevar os níveis de escolaridade da população apresentam aceleração em suas taxas de crescimento. Adicionalmente tentei documentar que, nas experiências históricas desde a revolução industrial, o investimento em educação precede a aceleração do crescimento.


Num terceiro e mais recente momento, foi possível mostrar que a variável importante para determinar a relação entre crescimento econômico e educação não é a quantidade de educação (escolaridade média), mas, sim, a qualidade, medida pelo desempenho de estudantes em provas padronizadas.


Resolvi voltar ao tema ao ler a reportagem no jornal "O Estado de S. Paulo", de 26 de dezembro, divulgando trabalho de meus colegas Regis Bonelli e de Julia Fontes, publicado no volume "Ensaios Ibre de Economia Brasileira".


O estudo argumenta que a passagem do bônus demográfico e a forte redução do desemprego indicam que, para crescermos além de 1% ao ano, que é a taxa de expansão da população em idade de trabalhar, a produtividade do trabalho terá de aumentar.


Se quisermos crescer à taxa anual de 3%, por exemplo, a produtividade do trabalho terá de se elevar à taxa de 2% ano. Se quisermos crescer 4%, a produtividade do trabalho terá que crescer à taxa de 3%, e assim por diante.


Como argumentei em três colunas de dezembro, os dois temas, educação e crescimento econômico, estão profundamente ligados.


A dificuldade que temos de reconhecer essa ligação deve-se a uma visão muito estreita do papel da educação.


Por exemplo, é óbvio que médicos ou engenheiros têm que estudar. É óbvio que um torneiro mecânico tem que estudar. O mesmo aplica-se a dentistas ou pilotos de avião ou comandantes de navio cargueiro.


É menos óbvio o papel da educação em atividades não especializadas. No entanto qualquer pessoa que entrou em uma drogaria nos Estados Unidos se espanta com uma loja tão grande sendo tocada com tão poucos trabalhadores.


Ocorre que uma boa educação básica aumenta a produtividade do trabalho mesmo nas tarefas mais simples. Alguém que sabe bem as quatro operações, lê com rapidez e tem alguma cultura geral será um melhor balconista de drogaria.


No limite, como ocorre nos Estados Unidos, um trabalhador em uma drogaria consegue fazer o trabalho de vários balconistas brasileiros. Possivelmente o salário será bem maior.


O que vale para o balconista de drogaria aplica-se ao empregado doméstico, à secretária etc.


O Brasil dos anos 20 até os anos 50 conseguiu construir uma indústria relativamente diversificada sem contar com um sistema público de ensino fundamental inclusivo. O ensino profissional voltado para algumas tarefas tapou o buraco.


Essa experiência passada bem-sucedida contribuiu para que tivéssemos dificuldade em enxergar o papel da educação.


Está nos atrapalhando agora que temos que fazer a transição de uma economia de renda média para economia de renda alta e de enfrentar o desafio de elevar a produtividade no setor de serviços.


Chamar o encanador três vezes em casa para reparar o mesmo serviço com inúmeros retrabalhos não o torna mais rico e dificulta o crescimento da economia como um todo.


Samuel Pessôa -  doutor em economia e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.


Fonte: jornal Folha de São Paulo

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