Este post merecia um trabalho
de geolocalização! Aconteceu a distância. Começa em Luanda, vai para Belo
Horizonte, volta para Luanda, tem sequência em São Paulo com o objetivo de
chegar a muitos outros lugares. Tudo começou há exatamente um mês, dia 5
de dezembro de 2014, quando encontrei nas redes sociais um post festivo do
professor Ivan Sant’Ana
Ernandes (PUC/MG),
comemorando a criação da Bolsa de Valores de Angola (clique aqui).
A iniciativa efusiva desencadeou um comentário contundente por
parte de Arlindo Pereira,
aluno do curso de Pós Graduação em Previdência, realizado por uma parceria
entre a Universidade Agostinho
Neto, de Angola, e aATEST Consultoria Atuarial, do Brasil. Esse curso me levou, em
2013, a Luanda, onde tive a honra de ser a tutora do módulo de Comunicação e Educação
Previdenciária. Arlindo
Pereira, portanto, foi meu aluno. Daí seu comentário ter me sensibilizado
sobremaneira:
“De facto, chegou o dia tão esperado pelo povo Angolano. Contudo, parece-me que
devia-se publicitar-se mais este importante acontecimento e esclarecer a sua
importância para a economia nacional, através de debates e conferências. Não
quero dizer que não se fez publicidade nenhum, apenas quis dizer, tratando-se
de um acontecimento novo, tínhamos a obrigação de fazermos muitos mais, de
formas a se esclarecer os vários estratos da nossa população”.
Fiquei pensando: como dar mais dimensão à criação da Bolsa de Valores de
Angola? Afinal, eu entendo tão pouco de Economia e precisaria de ajuda para
explicar com propriedade um assunto de tamanha complexidade, sem causar
ruído. Foi aí que me ocorreu arriscar usar o portal de relacionamento e
CONVERSAÇÃO que há pouquíssimo tempo me foi ofertado pelo Educador Financeiro
mais celebrado no Brasil: Gustavo
Cerbasi.
Elaborei, então, as perguntas a seguir, e pedi para que ele me ajudasse a
interpretar um fato político e econômico que está acontecendo do outro lado do
Oceano Atlântico. Deu certo! As respostas chegaram nesta virada de 4 para 5 de janeiro. E eu não
poderia esperar nem um minuto a mais para compartilhar. Os destaques nas
respostas são meus. Acho que são reflexões preciosas, que esclarecem com muita
objetividade aquilo que nem sempre é obvio para todos.
1. O que significa para o cidadão
comum a decisão oficial de criar uma Bolsa de Valores?
Gustavo Cerbasi: A criação de uma bolsa de valores
traz a oportunidade para que pessoas comuns tenham acesso a investimentos em
títulos em empresas a um valor justo, regulado pelo equilíbrio entre
compradores e vendedores – que em economia se diz equilíbrio entre oferta e
demanda. Quando se dá acesso a um grande número de pessoas para que negociem
entre si títulos de dívidas e ações de empresas, essas negociações só
acontecerão se houver acordo de preços entre compradores e vendedores. Em
outras palavras, quando negócios forem fechados, será porque vendedores
ofereceram seus papéis a preços que compradores estiveram dispostos a pagar,
preços esses que são chamados de regulados pelo mercado. Quanto mais investidores
participarem dos negócios da bolsa, mais próximos dos valores reais estarão os
preços dos ativos nela negociados. Isso dá aos títulos do país maior
credibilidade e transparência. Para o cidadão comum, significa poder comprar
títulos e se tornar credor do governo ou de grandes empresas, ou então comprar
ações e participar do sucesso de grandes empresas, na forma de recebedor de
lucros e dividendos.
2. A Bolsa de Valores indica uma
intenção oficial de reter capital local e competir por investimentos
estrangeiros?
Gustavo Cerbasi: Sem
dúvida. Quando as oportunidades de um país são limitadas a um grupo pequeno de
investidores privilegiados, qualquer pessoa que tenha reservas financeiras e
que não esteja entre esses privilegiados irá formar suas reservas em bens
depreciáveis (como imóveis), ou fora do país. Uma opção comum é a compra de
moeda estrangeira, como o dólar americano. Porém,
quando os mercados locais passam a ser organizados na forma de bolsas e
controlados e fiscalizados por órgãos isentos, naturalmente aumenta o interesse
de investidores locais e estrangeiros pelas oportunidades que passam a ser
publicadas rotineiramente por essas bolsas. Uma bolsa serve não só para
estabelecer preços justos para os ativos, mas também para facilitar o acesso a
esses ativos e divulgar suas cotações, o que facilita a identificação de
oportunidades. A criação de bolsas de títulos públicos e ações e também para
negociação de commodities como ouro, energia, grãos e petróleo é o caminho mais
eficiente para se fortalecer o mercado de capitais de um país e reter nele
recursos locais, além de atrair a atenção e o capital de investidores
estrangeiros.
3. Angola convive com crescimento
econômico, inflação e dolarização. A Bolsa de Valores pode contribuir
para equilibrar melhor essas diferentes grandezas?
Gustavo Cerbasi: A Bolsa de
Valores distribui a todos as oportunidades de lucros criadas pelo
desenvolvimento econômico. Essa é a maior vantagem: a de proporcionar a
qualquer pessoa a condição de enriquecer junto com seu país. Inflação é consequência do
crescimento que acontece mais rápido do que o planejamento, enquanto que a
dolarização é uma maneira de se defender da inflação – com preços mudando
constantemente, é natural que as comparações e negociações passem a ser feitas
em moeda forte. A existência de uma bolsa de valores, ao atrair mais capital
para o país, tende a fortalecer a moeda local, diminuindo a pressão pela
inflação. Com menos inflação, os negócios locais passam a depender menos de uma
moeda estrangeira. Mas, para esse raciocínio realmente se tornar prática, são
necessárias outras ações governamentais para conter a inflação, como o controle
de preços públicos e redução de gastos do próprio governo. Eu diria que a
criação da Bolsa de Valores em Angola sinaliza que o governo está disposto a
trabalhar em diversas frentes (incluindo a econômica) para estabilizar e
fortalecer o país. Angola
vive, portanto, uma grande oportunidade histórica.
4. A necessária bancarização da
população – que vem a reboque do desenvolvimento econômico – deve exigir
políticas públicas de Educação Financeira?
Gustavo Cerbasi: Políticas públicas
de Educação Financeira raramente são priorizadas quando um país passa por
grandes mudanças, uma vez que são consideradas (equivocadamente) um tema
secundário na educação geral. É
compreensível que o governo queira expandir o acesso a crédito e a
investimentos (tanto em bancos quanto em bolsas) para uma parcela maior da
população, para que a desigualdade econômica seja reduzida e o país enriqueça
de maneira uniforme. Mas, também é desejável que, uma vez oferecidas as
oportunidades, essas sejam bem aproveitadas por todos. Não é o que acontece
quando se estimula a bancarização sem o estímulo simultâneo da educação financeira. O Brasil oferece um ótimo exemplo. Nos
últimos anos, muitas pessoas tiveram seu primeiro acesso a bancos e ao crédito,
passando a financiar casas e equipamentos para pequenos negócios, que
multiplicaram o bem estar e a riqueza. Mas, como o acesso a oportunidades
chegou antes da educação, muitos brasileiros se endividaram mais do que deviam,
e o bem-estar inicial se transformou em alto nível de endividamento, má
qualidade das dívidas e sofrimento para famílias que deveriam estar desfrutando
de um momento melhor em suas vidas. A
Educação Financeira deve ser intensamente estimulada simultaneamente às
transformações econômicas e sociais que permitem o acesso a bancos, a bolsas e
às práticas cidadãs, para que toda a população enriqueça na mesma proporção do
país e com desigualdade decrescente. Sem educação, os ricos ficam mais ricos
ainda, e os pobres continuam pobres e cada vez mais endividados.
5. Mesmo sendo lusófona, em razão
diversidade étnica, a unidade linguística em Angola é diferente do Brasil. Isso
compromete a adoção de políticas públicas que democratizem a Educação
Financeira?
Gustavo Cerbasi: De
forma alguma. A Educação Financeira envolve orientações para escolhas
equilibradas, que funcionam universalmente. Mesmo que escolas e bancos sejam
específicos para comunidades e etnias, as orientações podem ser universais,
desde que devidamente traduzidas para as necessidades locais. Meu entendimento
é de que em um país culturalmente rico como Angola o governo não deve guiar a
educação financeira para uma etnia predominante ou para regiões mais prósperas, mas sim cuidar da formação de
profissionais multiplicadores que estejam preparados para orientar as
comunidades locais de acordo com as necessidades específicas dessas
comunidades. No Brasil, mesmo
com a unidade linguística, eu preciso adaptar as orientações às necessidades de
regiões mais prósperas e de outras menos ricas, pois as realidades são
diferentes. Em Angola, eu partiria de diretrizes gerais de equilíbrio
financeiro e ouviria as diferentes comunidades para enfatizar em cada uma os
aspectos mais necessários à transformação para melhor da realidade atual.
6. As tão bem acolhidas orientações
sobre Educação Financeira e Previdenciária que você está disseminando no Brasil
são válidas também para Angola?
Gustavo Cerbasi: Em todo meu
trabalho, sempre parto de
reflexões universais, que servem para qualquer cultura, qualquer país, qualquer
nível de renda e que sejam necessárias para construir riquezas. A partir de um
modelo universal, adoto exemplos locais para que meu público compreenda minhas
orientações e sinta que aquela educação foi pensada para eles. Quando lancei meus livros em Portugal,
por exemplo, minhas palestras seguiram o mesmo raciocínio das palestras que
faço há mais de 12 anos no Brasil, com a diferença que estive mais atento para
ouvir os questionamentos e ajustar as reflexões à realidade portuguesa. A Educação Financeira é um tema
universal, como qualidade de vida, prática de exercícios e cidadania. Para aplicar o conteúdo em Angola, a
ciência é a mesma, mas com exemplos um pouco diferentes. Na verdade, vejo em
Angola a vantagem de contar com o processo de crescimento econômico muito mais
intenso e recente, o que deve fazer com que a Educação Financeira mostre no
país resultados muito mais rápidos e intensos do que em países que já contam
com estabilidade econômica há mais tempo. Quem der atenção a esse tema agora
certamente terá uma grande transformação em sua vida nos próximos anos.
Não tem nada mais que eu possa acrescentar a essa verdadeira aula de
Economia, de Educação Financeira, de Compartilhamento de Conhecimento. Gustavo Cerbasi é sempre um espetáculo de desenvoltura
e empatia, porque ele realmente se envolve com o que é colocado em pauta.
O que eu verdadeiramente espero agora? Bom, que os meus alunos
- especialmente em Luanda - e os operadores de Previdência Complementar
façam este post ganhar asas. Todo mundo tem um amigo jornalista, radialista,
produtor de televisão. Cada uma das respostas de Gustavo Cerbasi é pauta para uma matéria inteira. Eu
acho que daqui do Brasil há um movimento importante de dar luz e democratizar
respostas que podem esclarecer a cidadãos de todos os lugares sobre as
estratégias que estão na base de nações em desenvolvimento.
Eliane Miraglia -
mestre em Ciências da Comunicação, especialista em Gestão de Processos
Comunicacionais e consultora de comunicação, tem participado em projetos com a
Suporte Educacional.