Idosos devem se preparar para futuro do trabalho
É
necessário esforço multissetorial para manter idosos no mercado de forma
competitiva.
O ano de 2020
será lembrado, claro, pela pandemia.
Mas há outras palavras e expressões, além
de "coronavírus", que entraram no vocabulário do dia a dia.
As noções de negacionismo, analfabetismo científico, intervenções baseadas em evidência, desigualdade em
alta, queda da natalidade, desemprego e informalidade, por exemplo, convergem
para uma palavra pouco usada, mas que expressa o que vivemos: sindemia, a convergência de várias crises que se somam à
sanitária.
Como síndrome, define um conjunto de sintomas que caracterizam uma
doença.
O fato de que mais de 300 mil das 450 mil mortes
já notificadas (de acordo com a OMS, a Organização Mundial da Saúde, o número
real é, possivelmente, o dobro) terem sido entre os idosos é também notório.
Grande parte poderia ter sido evitada, mas o idadismo entrou na contramão, "não importam, já viveram, todos morrem um
dia”.
Há outra manifestação do idadismo que não tem sido suficientemente discutida.
De
acordo com Marcelo Neri, da FGV, mais de 25% dos jovens entre 15 e 29 anos hoje
nem trabalham nem estudam, os ‘nem-nens’.
Por outro lado, os trabalhadores com
mais de 50 anos passaram a sofrer preconceito etário ainda maior no mercado de trabalho.
Ao mesmo tempo em que a dificuldade em se manter
ou se recolocar é cada vez maior para os mais velhos, cresce a dependência
deles para o sustento de suas famílias, como aponta Ana Amélia Camarano, do
Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Suas conclusões são
corroboradas por um estudo recentemente realizado pela Confederação Nacional de
Dirigentes Lojistas em parceria com o Serviço de Proteção ao Crédito e com a
Offer Wise Pesquisas.
O estudo revela uma participação crescente dos idosos na renda familiar.
Cerca de 91% dos brasileiros com mais de 60 anos
contribuem para o sustento da casa, representando, em 52% dos lares, as
principais fontes de renda —um aumento de 9% desde 2018. Nos extratos
socioeconômicos mais baixos, a morte de um idoso condena à pobreza a própria
família.
Camarano calcula em mais de R$ 3 bilhões o
aporte dos idosos para a economia. Pessoas com mais de 60 anos se tornaram,
portanto, economicamente indispensáveis.
E precisam estar preparadas para o
futuro do trabalho.
É urgente estabelecer esforço multissetorial
como objetivo de requalificar essas pessoas para que elas retornem ou se
mantenham no mercado de trabalho de forma competitiva.
Com o mundo do trabalho sendo severamente
revolucionado pela tecnologia, as relações de trabalho ganham novos e
diferentes formatos.
O emprego formal está em queda livre. O que já era
tendência foi acelerado pela pandemia.
Os 60+ ainda trazem consigo uma formação que os
preparava para o emprego onde imperava a hierarquia de comando e controle, o horário fixo, o trabalho mecânico e repetitivo,
entre outros aspectos hoje cada vez mais obsoletos.
Essas pessoas precisam ser incentivadas e
treinadas para atuar num mundo não só digital, mas diverso, horizontal,
multigeracional e colaborativo, onde a adaptabilidade é fundamental e o
letramento tecnológico tão importante quanto ler e escrever.
Impõe-se a
necessidade de uma atitude empreendedora e aprender a atuar por conta própria
centrado em aprendizado ao longo da vida.
As empresas, organizações do terceiro setor e o
poder público têm papel fundamental neste processo e devem criar programas de
reinclusão no mercado, qualificação técnica e comportamental, inclusão digital,
planejamento financeiro, empreendedorismo e integração geracional.
Caso
contrário, faltará mão de obra qualificada e teremos um abismo social ainda
maior entre os mais velhos.
Alexandre
Kalache - médico gerontólogo, presidente do
Centro Internacional de Longevidade no Brasil (ILC-BR)
Mórris
Litvak - engenheiro de software, fundador e
CEO da startup Maturi e coordenador da área de trabalho do Centro Internacional
de Longevidade (ILC) no Brasil