Este é seu cérebro vendo filme

Não tenho mais neurônio pra pensar no futuro do Brasil, não no momento, não pelas próximas duas semanas.

Depois do primeiro turno, os que faziam isso puseram a língua de fora e declararam estafa, mandam dizer que voltam um dia, de preferência se e quando houver boas notícias. 

Os que sobraram estão se divertindo participando de um congresso organizado por jovens cientistas poloneses, também chamados de doutorandos.

A Polônia soube sair do buraco para onde foram carregados pela Rússia, investiu em tecnologia e ciência, e hoje tem um programa de pesquisa de dar gosto, com direito a todos os recursos e métodos de ponta da neurociência. 

E ostenta a bandeira ucraniana por todos os lados, em solidariedade aos refugiados que fizeram a população polonesa crescer 10% em poucas semanas este ano —inclusive na tela do lindíssimo auditório da Universidade Jagielloniana, fundada em plena Idade Média, quem diria.

Ministério da Ciência e organizadores não pouparam esforços. Levaram cientistas de vários países europeus e dos EUA, escolhidos pelos estudantes, para participar do evento e compartilhar suas descobertas. 

Quiseram ouvir minha nova história sobre como cérebros fazem o que pode com os recursos que têm, o que achei ótimo; cada vez que eu conto a história, descubro um novo pedaço que eu mesma ainda não sabia.

E convidaram também Lauri Nummenmaa, pesquisador da Universidade de Turku, Finlândia, que contou histórias de cérebros vendo e ouvindo histórias, sua especialidade.

Nummenmaa convida voluntários a assistir a filmes inteiros dentro de seus scanners, enquanto ele registra sua atividade cerebral. 

É o mais perto que se chega hoje de um estudo naturalista sobre o que o cérebro faz enquanto a gente cuida da vida.

Com centenas de voluntários já escaneados assistindo a filmes como "O Poderoso Chefão", "O Iluminado", e "Guerra nas Estrelas", codificados cena a cena em termos de conteúdo visual, grau de movimento, e tipo e intensidade de emoções provocadas, Nummenmaa tem à sua disposição um volume invejável de dados para análise.

As histórias que têm saído de seu laboratório serão um dia dignas de seu próprio filme, conforme ele consegue captar realisticamente o padrão de atividade no cérebro de pessoas normais vivendo emoções reais inspiradas pela vida alheia.

Minha parte favorita da sua história, contudo, é a descoberta recente de que não há diferença gritante em quais partes do cérebro estão envolvidas na experiência de emoções diferentes. 

Um conjunto bastante grande de estruturas no córtex cerebral aumenta de atividade durante emoções fortes, todas com uma coisa fundamental em comum: são as estruturas que formam o circuito autorreferente do cérebro, aquele que amarra uns nos outros todos os pedaços da nossa individualidade. 

Como seu corpo se sente, o seu estado mental, onde você está, de onde você vem, para onde você vai: tudo isso nasce da atividade deste circuito. 

Portanto, se emoções fortes ativam fortemente o sistema autorreferente, então emoções fortes fortalecem a sensação do "eu": fazem a gente se sentir vivo. Como diz um de meus ídolos, Bud Craig: não "penso, donde existo"; eu sinto que eu existo.

E tudo isso pode ser despertado com um bom filme. Acho que sei onde vou estar nas próximas duas semanas...

SUZANA HERCULANO-HOUZEL - bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).